Certa feita, numa banca de redação para
vestibular, deparei-me com determinada temática que era a de convencer um
Brasil ignorante da geografia nacional sobre “o capixaba não se tratar de um
baiano que ficou com preguiça de chegar ao Rio de Janeiro". Para tanto, alguém
escrevera mais ou menos assim: "Você precisa conhecer melhor o Espírito
Santo: ao norte temos a Bahia; oeste, Minas; sul, o Rio e, a leste, somos
banhados pelo magnífico Oceano Atlântico".
Pode se estranhar, de cara, o fato de que o
então candidato não conseguir dar um semblante a sua cultura, vivendo assim à
mercê de perímetros. No entanto, qual identidade o hipotético jovem poderia
demonstrar se o que era considerado de mais notório por aqui, além de um velho
convento, se tratava de uma usina e um porto construídos em plena capital a lhe
rifarem gradativamente as praias vistas do alto daquele monastério.
Mesmo que fosse ele voltado a bucolismos, suas
remanescentes matas só com muito esforço entram na foto (e basicamente na
região serrana), perdendo com cada vez mais frequência o foco para pastos e
monoculturas, o que ainda compromete demasiadamente suas nascentes, por conseguinte: córregos, riachos, rios e cachoeiras. Recursos hídricos, cada vez mais escassos.
Digo isso para trazer a seguinte questão: Antes
do SISU, o que fazia a Universidade Federal que se localiza no estado do Espírito
Santo para reforçar a identidade do povo local a respeito de sua memória?
Salvando as parcerias isoladas com Biblioteca Pública do E.S., o Instituto Histórico
e Geográfico do E.S., a Fundação Ceciliano Abel de Almeida e, por fim, pela
própria Edufes, sua estória demonstra que estava ela formando em seus Centros Acadêmicos (C.A.'s) e no Diretório Central dos Estudantes (D.C.E.) aqueles que
hoje são a nata da política, dos empresários e dos profissionais liberais
capixabas que, em percentual e situação considerados, continua alimentando o
mesmo conceito de desenvolvimento: o de extrativismo desenfreado, tendo como
pano de fundo uma sustentabilidade marketeira.
Na parte que me cabe deste latifúndio, preocupa-me
o SISU, sim, naquilo que afeta a sobrevida da literatura feita no Espírito
Santo, como um patrimônio cultural de suma importância para consolidar nossa
história e se pensar nela por uma vertente mais crítica. Com uma divulgação bastante
centralizada em escassos concursos (Secult e Edufes) e sem uma maior política
de fomento e distribuição, é sabido que ela quase que exclusivamente avultava
leitores por via dos vestibulandos locais. Em todo o caso, há quem defenda que
determinada produção não deva permanecer refém de tal mercado, mas então
"precisamos conversar sobre Kevin", porque a literatura tida como
consagrada também se tornará refém do SISU (ENEM), pois o tal não comportará nem
o extenso cânone nem a produção atual nem a relevância do que está por vir.
Diante disso, profissionais ligados à formação e
manutenção de leitores literários devem pensar a questão como um todo, o que
certamente tomará muito tempo e que também inclui pensar que, antes mesmo do
SISU, passado o momento da seleção universitária, a literatura foi sempre ficando relegada pela grande maioria dos pós-universitários como algo
pueril, de circunstância ou não condizente aos desafios que o sistema nos
impõe.
Agora, não bastando isso, vem o golpe de MISERICORJA
com a tal da "neutralidade ideológica do ensino", isso sim é um
problema, já que a literatura, principalmente a da segunda metade do século XX
para cá, apresenta efetivamente como temática os grupos que permanecem à margem
das profícuas políticas socioeconômicas e culturais. Além disso, trabalhar com alguma
autonomia sempre foi fundamental para se lidar com as intempéries da Educação. Pela
memória, essencial para alguma dignidade na existência, faz-se urgente uma
oposição a tal retrocesso.
De qualquer maneira, o capixaba que exigir permanecer
no bairrismo fronteiriço não poderá mais se valer daquele magnânimo oceano, há SEIS
MESES atolado no grandioso mar de lama da SAMARCO.
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