quinta-feira, 5 de maio de 2016

SISUdos, ao SISO

Certa feita, numa banca de redação para vestibular, deparei-me com determinada temática que era a de convencer um Brasil ignorante da geografia nacional sobre “o capixaba não se tratar de um baiano que ficou com preguiça de chegar ao Rio de Janeiro". Para tanto, alguém escrevera mais ou menos assim: "Você precisa conhecer melhor o Espírito Santo: ao norte temos a Bahia; oeste, Minas; sul, o Rio e, a leste, somos banhados pelo magnífico Oceano Atlântico".
Pode se estranhar, de cara, o fato de que o então candidato não conseguir dar um semblante a sua cultura, vivendo assim à mercê de perímetros. No entanto, qual identidade o hipotético jovem poderia demonstrar se o que era considerado de mais notório por aqui, além de um velho convento, se tratava de uma usina e um porto construídos em plena capital a lhe rifarem gradativamente as praias vistas do alto daquele monastério.
Mesmo que fosse ele voltado a bucolismos, suas remanescentes matas só com muito esforço entram na foto (e basicamente na região serrana), perdendo com cada vez mais frequência o foco para pastos e monoculturas, o que ainda compromete demasiadamente suas nascentes, por conseguinte: córregos, riachos, rios e cachoeiras. Recursos hídricos, cada vez mais escassos.
Digo isso para trazer a seguinte questão: Antes do SISU, o que fazia a Universidade Federal que se localiza no estado do Espírito Santo para reforçar a identidade do povo local a respeito de sua memória? Salvando as parcerias isoladas com Biblioteca Pública do E.S., o Instituto Histórico e Geográfico do E.S., a Fundação Ceciliano Abel de Almeida e, por fim, pela própria Edufes, sua estória demonstra que estava ela formando em seus Centros Acadêmicos (C.A.'s) e no Diretório Central dos Estudantes (D.C.E.) aqueles que hoje são a nata da política, dos empresários e dos profissionais liberais capixabas que, em percentual e situação considerados, continua alimentando o mesmo conceito de desenvolvimento: o de extrativismo desenfreado, tendo como pano de fundo uma sustentabilidade marketeira.
Na parte que me cabe deste latifúndio, preocupa-me o SISU, sim, naquilo que afeta a sobrevida da literatura feita no Espírito Santo, como um patrimônio cultural de suma importância para consolidar nossa história e se pensar nela por uma vertente mais crítica. Com uma divulgação bastante centralizada em escassos concursos (Secult e Edufes) e sem uma maior política de fomento e distribuição, é sabido que ela quase que exclusivamente avultava leitores por via dos vestibulandos locais. Em todo o caso, há quem defenda que determinada produção não deva permanecer refém de tal mercado, mas então "precisamos conversar sobre Kevin", porque a literatura tida como consagrada também se tornará refém do SISU (ENEM), pois o tal não comportará nem o extenso cânone nem a produção atual nem a relevância do que está por vir.
Diante disso, profissionais ligados à formação e manutenção de leitores literários devem pensar a questão como um todo, o que certamente tomará muito tempo e que também inclui pensar que, antes mesmo do SISU, passado o momento da seleção universitária, a literatura foi sempre ficando relegada pela grande maioria dos pós-universitários como algo pueril, de circunstância ou não condizente aos desafios que o sistema nos impõe.
Agora, não bastando isso, vem o golpe de MISERICORJA com a tal da "neutralidade ideológica do ensino", isso sim é um problema, já que a literatura, principalmente a da segunda metade do século XX para cá, apresenta efetivamente como temática os grupos que permanecem à margem das profícuas políticas socioeconômicas e culturais. Além disso, trabalhar com alguma autonomia sempre foi fundamental para se lidar com as intempéries da Educação. Pela memória, essencial para alguma dignidade na existência, faz-se urgente uma oposição a tal retrocesso.
De qualquer maneira, o capixaba que exigir permanecer no bairrismo fronteiriço não poderá mais se valer daquele magnânimo oceano, há SEIS MESES atolado no grandioso mar de lama da SAMARCO.

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