segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

UM BONDE CHAMADO TIGRÃO

Lembro-me bem de ter, em tevê aberta, assistido nas madrugadas da vida a muitos bons diretores, como Fellini, Truffaut, Leone, Hitchcock, Costa-Gavras, Kubrick, Kurosawa, Scola, além de muitos outros, quando a coisa ainda se chamava de cinema autoral. Bem à margem disso, havia também o difamado cinema nacional, pois quase sempre era proibido para menores, principalmente os filmes baseados na dramaturgia de Nelson Rodrigues, quando carecia mais de driblar a vigilância severa de minha mãe (ela não tinha como reconhecida em seu dicionário a palavra puberdade). Havia um pouquinho de putaria, é claro, mas proporcionaram-me pon-to-de-vis-tas dificilmente presentes no meu cotidiano. O complicador era que o botão de volume da televisão tinha mau-con-ta-to, então, ora era baixo demais ora um esporro, o que me causara algumas crises diplomaternas, resolvidas a chinelas e choromelas. Uma vez, por exemplo, ela quase me flagrou com a Darlene Glória, em-pê-lo, no Toda Nudez Será Castigada, rapidamente me cobri e ressonei feito louco. Ela ficou ainda algum tempo para confirmar a veracidade do sono, por fim se convenceu ou cansou-se e foi dormir. Daquela escapei ileso. Para se ter uma idéia da polícia doméstica: de outra vez, alguém deixou vazar para sua mãe que havíamos visto algumas colegas a experimentarem roupas, umas das outras, de cima de uma mangueira indiscreta (até hoje desconfio que foi uma vingança das luluzinhas). Bom, a minha matriarca também descobrira, chegou em casa uma fera e, enquanto desabava em mim um sermão, a rábula da irmã resolveu: Ah, mãe, quem quiser que prenda suas cabritas... #Ambos berraram bééém naquele dia# ...bom, voltemos à arte que menos arde! Simultaneamente ao cinema, eu já desenvolvera até ali um certo sabor por música e literatura: a primeira sempre gozou de uma permissiva omissão paterna, assim, as mais cacofônicas eram executadas somente em situações festivas, mas nunca cantadas pelas cercanias do lar, em dias normais; quanto à leitura da escrita (as revistas de visual impróprio ficavam bem malocadas), nossos livros, além de clássicos da literatura brasileira datados até o século XIX, eram em grande parte didáticos; com exceção de Jorge Amado, que tinha como aval o carimbo da biblioteca da escola e a rede globo. Quando consegui levar escritores realmente pesos pesados para casa, a carne já se tornara fato consumado, portanto, fui ler os clássicos de outros povos e eras, sutilezas de outra ordem (daí, reencontrei-me de novo com o cinema), depois dediquei-me à brasileira contemporânea. Enfim, formou-se um repertório simbólico, mostrando-me as adversidades culturais do mundo, em cada tempo e espaço... E daí, Gazu? Aí que, Aldair, o homem-humano desde que se desentende por gente testa os limites de se viver em sociedade, no entanto, quando aparenta tudo estar su-per-na-ca-ra, duzentos canais por assinatura (embora quase a metade, religiosos), e qualquer um pode facilmente acessar muito mais pela internet, sem grandes esforços, desde que não seja algo que sirva de apologia para coisas ruins [Já levantei a premissa de que o Sarney é o que é porque escutou demais o Bonde do Tigrão: "Martela, martela..."]. Mesmo assim, a sociedade investe um tempo danado em películas açucaradas ou a salvar o planeta da ganância alienígena ou da possessão demoníaca ou de equivalentes e se esquece da usura dos que mais lucram com tais filmes; como o acúmulo do cúmulo, esses maléficos antagonistas ainda, podendo explodir galáxias ou possuindo todo o sobrenatural por condição, "los maletas", temam em encerrar seus dias na trama lutando kung-fu... É mermo, né, professor, acho que o capeta encarnou no tal do Bruce Lee!!!

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